segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Sobre amizade

Quando quero explicar o meu grau de amizade com a Fella, sempre relembro o fato de que durante um tempo em nossas vidas, nós fomos apenas nós duas. Depois que a mamãe faleceu e ainda éramos crianças aprendemos a cuidar uma da outra, viramos melhores amigas, mas nossa história de amizade começa bem antes. 
Uma das minhas memórias mais antigas é a minha primeira festa de aniversário com cinco anos, foi a primeira vez que tive uma festa grande, onde eu usei um vestido vermelho, tinha chapeuzinho e um bolo grande. Todo o aniversário foi gravado numa fita cassete o que deixa a memória mais viva, por que assistimos várias vezes. 
Naquele dia eu ganhei vários brinquedos,os favoritos foram dois ursinhos de pelúcia cor de rosa. Era meu presente e eu decidi que o outro presente seria da minha irmã. 
A Paola naquele dia estava aprendendo a jogar beijinhos, ela fazia o movimento para a câmera. Eu lembro de entender que tudo que eu tinha de bom eu queria dividir com ela, principal mente aqueles dois brinquedos e essa sensação existe até hoje.
 Eu não entendia o mundo, a vida, os adultos, mal entendia as letras, as cores, os brinquedos. Mas eu já sabia amar alguém. Assim iniciou uma amizade, não no momento mais difícil que passamos, foi a partir daquele momento em que começamos a nos entender como gente que eu aprendi o que era amor incondicional. 
 Hoje em dia eu sei que existe alma gêmea, é que o amor é predestinado desde quando nascemos. Não foram as circunstâncias da vida que nós fizeram amigas, nós já nascemos para amar e cuidar uma da outra. Para sempre. Feliz aniversário neném. Que seu dia seja feliz.

Oceano

Nos últimos dias acordei bem mais cedo do que costumo acordar, vi o por do sol sentada no meio da praia, também vi o céu amanhecer em cima das nuvens, tive febre de tanto que fiquei no sol. Eu nadei, conheci uma tartaruga e um besouro cantor, deixei minhas pernas e braços boiarem na água salgada. Conheci um lugar novo, achei que ia sentir medo de uma escada dentro de uma gruta, acho que senti, mas quando vi eu estava lá dentro. Escorreguei e cai em cima de umas pedras. Tenho uma nova cicatriz. Escrevi um nome na areia. Li poesia. Vivi poesia. Ganhei uma idade nova. Acho que sou a menina de trinta e um anos mais moleca que existe nesse mundo. Ah e o besouro me disse: 'no final, o amor que você recebe é compatível com o amor que você entrega'.

Só mais uma carta

É certo, eu já devo ter dito em algum lugar, em voz alta, que não escreveria mais sobre você. Mas como não me apego a promessas. E sou um ser sem palavra, aqui estou eu.
Esses dias acordei com o coração pulando mais rápido. A nítida impressão de que eu tinha acordado no passado. Quando olhei pro lado, você tava enrolando um na mesa perto da cama. A música era dos anos 70, apesar de toda essa aparência desapegada, o teu som ainda era o tradicional. Olhei e você estava cristalizado no tempo, preso, congelado em âmbar.
Como o inseto naquele anel naquele mercado na Liberdade.E você hoje me apareceu do nada.
Pra implicar com o meu sono pesado como fazia naqueles tempos loucos.
Claro que ia haver uma avalanche, baby, claro que ia dar vendaval.
Os planos, as viagens, as músicas que ouvimos lá pelas três da manhã.
Eu aprendendo obscenidades no graphic novel que voce me deu.
Hoje te enviei uma foto nossa, eu usava franja e você usava uma camiseta do Pink Floyd. Você disse: - Eu usei essa camiseta hoje, foi coincidência? Acho que não. -Nossa isso foi cruel.
Nós não merecíamos aquele fim patético no corredor do hotel, aquele arremedo de naturalidade, você fica feio sem saber o que fazer com as mãos nos bolsos, eu viro uma pessoa ruim em situações de fragilidade.
Hoje você me apareceu pra implicar com o meu sono pesado.
E me fazer lembrar de músculos exatos, de certos pêlos, daquele cheiro de vick vaporub no suor.
São assim os romances dessa vida.
Eu sempre terei coisas pra murmurar no teu ouvido.
Cautelosamente pessimistas em nossos diagnósticos, severamente otimistas em nossas esperanças - Zygmunt Bauman